O artigo “Criminologia e Política Criminal”, de Vera Malaguti Batista, procura trazer um panorama histórico da Criminologia e relacioná-lo com as demandas do capital. Assim, obviamente, a autora parte do pressuposto de que a Criminologia está ligada à noção de luta de classes.

Mas antes de iniciar a jornada ao longo da história, a autora faz questão de pontuar que “crime” não tem existência ontológica, ou seja, assim como a “criminalidade”, o crime não pode ser visto como tendo existência própria e objetiva, mas sim como sendo uma construção social. Mesmo a “criminalidade registrada” tem de ser vista com reservas: não é possível igualar o que é registrado como infração com aquilo que, realmente, é infração, visto que os critérios usados para o registro são muito volúveis.

Agora tratando mais diretamente da questão da luta de classes, a autora afirma: “A criminologia como racionalidade positiva é uma resposta política às necessidades de ordem que vão mudando no processo de acumulação de capital” (p. 04). Fica claro, portanto, que a autora defenderá que a Criminologia foi sempre menos científica que politicamente engajada, a começar da escola francesa dos “Annales”, que serviu para atender às exigências da Igreja Católica na construção da personalidade “objetiva” do herege.

A autora passa, então, pela era da racionalidade utilitarista da Criminologia, que buscava uma solução para a disciplina do contingente de mão-de-obra para o trabalho, avançando nos séculos até o surgimento do discurso jurídico de princípios. Foi aí que o direito penal começou a ser visto como limitador do poder absoluto, e que a prisão se torna a principal pena do mundo ocidental.

É nessa época também que a medicina aparece como conveniente legitimadora do conceito de “criminoso ontológico”: a descrição biológica do sujeito que havia cometido alguma infração se propunha imparcial, científica e racional. No entanto, era o pobre que em maior número compunha esse espécime.

Em vez do criminoso, no século XX, as instituições de controle social, as áreas segregadas, a concentração de imigrantes pobres, e as formas de controle social se tornam o objeto de estudo da criminologia estadunidense. É a criminologia funcionalista, que, unida à teoria psicanalista e ao marxismo, produziu a criminologia crítica, a qual rompeu com a labeling approach.

Todavia, o neoliberalismo parece ter feito retroceder a Criminologia, e foi desenvolvido o “Direito Penal do Inimigo”, com duas figuras principais: o traficante e o terrorista. É também essa a época do encarceramento em números até então desconhecidos.

Na América Latina, Rosa del Olmo é um dos principais nomes na desconstrução das importações criminológicas, adequando a metodologia à realidade local. A simples importação é considerada por ela como a internacionalização do controle social dos resistentes. A tradução do positivismo já não é o bastante, e surge a necessidade de ruptura criminológica. Há ainda Raúl Zaffaroni, que, em “Criminología: aproximación desde um margen”, propõe o realismo criminal, e afirma que a discursividade criminológica é um fato de poder letal. O escritor conclama a criatividade cultural latino-americana, fruto da mistura de povos, para pensar em novas soluções.

O texto de Vera Malaguti Batista apresenta uma rápida, mas bastante satisfatória análise da Criminologia ao longo dos séculos, buscando sempre justificar a hipótese proposta. Tal empreitada é bem realizada, levando-se em consideração o espaço reduzido de um artigo. A autora acrescenta à análise algumas medidas que considera importantes para a realização de uma Criminologia mais próxima da realidade local, mais justa, e que se oponha à estrutura política opressora, que atinge mais comumente jovens pobres.

Porém, um aspecto do artigo que merece desaprovação é a crítica que a autora faz à “emocionalidade” como estratégia do processo de expansão do poder punitivo no mundo contemporâneo, sendo que ela mesma não parece perceber sua atitude contraditória quando faz uso do sentimentalismo, em trechos como “precioso livro”, “combativa Rosa”, valendo-se de adjetivos que nada acrescentam de informação ao leitor. Além disso, essa forma de agir apenas cria oportunidade de expor preferências pessoais que não interessam a quem lê.

Por fim, pode-se dizer que o artigo é um panorama histórico-crítico da Criminologia que, de fato, desafia o leitor a refletir sobre o papel decisivo que o poder e o capital têm, ao longo dos anos, desempenhado nas políticas criminais.